ACIDENTE COM ENERGIA ELÉTRICA. O CHOQUE ELÉTRICO. DIREITOS ENVOLVIDOS

Por ODILIO LOBO (advogado, OAB/PR 28746, especialista em direito da energia elétrica; engenheiro eletricista e engenheiro de telecomunicações, CREA/PR 8177/D)

Curitiba, Março de 2019.

O nosso país, é sabido de todos, tem carências significativas de investimentos em infraestrutura. Em todas elas, sejam em rodovias, portos, aeroportos, sistemas de telecomunicações, assim também em seu setor elétrico. Isso se nota, neste último caso, por exemplo, nas redes de distribuição de energia elétrica que podemos pagar: são redes aéreas, as mais baratas de todas, sujeitas a ataques mecânicos constantes que, via de regra, interrompem os fornecimentos de energia aos consumidores. As causas que colaboram para isso são inúmeras, mas as mais conhecidas são o rompimento de cabos que se observam quando árvores caem sobre eles, ou quando um veículo desgovernado atinge postes, etc.

Por si só a falta de energia elétrica é fato com o qual a sociedade contemporânea não sabe, nem pode, conviver, haja vista os prejuízos que delas decorrem, seja para a economia; sejam para o lazer, segurança e conforto das pessoas.

Somando-se ao fato do sistema de distribuição ser aéreo, tem-se também que condutores de energia elétrica encontram-se presentes em todos os lugares que habitamos. De fato, eles são encontrados nos pisos das casas, em seus tetos, nas suas paredes, no criado mudo, enfim, em uma infinidade de lugares próximos de nós todos.

De forma que, com tamanha quantidade de cabos energizados na nossa vida, acidentes sempre vão acontecer; e, se um cabo rompido e caído em via pública causa prejuízos econômicos, que se tenha em maior conta que esse é, muitas vezes, o mal menor, eis que desse fato é comum decorrerem ferimentos graves e mortes de pessoas.

Tamanhos infortúnios decorrem do que nós, engenheiros eletricistas, denominamos choque elétrico. Até aí nada de novo, posto que todos do povo sabem que condutores de energia eletrificados dão choques, até porque a maioria já teve a desagradável oportunidade de experimentar seus efeitos na própria pele.

Todavia, o que não é de conhecimento ordinário é exatamente o quão perigoso pode ser o choque elétrico, como tal fenômeno físico impacta o nosso organismo, como tentar evita-lo, ou, em última instância, uma vez que o acidente já ocorreu, conhecer direitos indenizatórios decorrentes de choques a que a vítima não deu causa.

Trataremos disso, em breves linhas, neste artigo.

O que conhecemos como choque elétrico é a passagem de uma corrente elétrica por parte do corpo humano.

A dor e sensação de vibração provocada pelo choque são sempre muito incomodas, mesmo para choques advindos do contato do corpo com condutores energizados em baixa tensão.

Os choques elétricos provocados por voltagem baixa como, por exemplo, 110 ou 220 Volts, podem causar vários e sérios problemas para quem os sofreram. Tais efeitos danosos variam em função da intensidade da corrente, o tempo de duração de submissão ao choque, da voltagem do condutor energizado, da parte do corpo que foi atingida, do tipo físico da pessoa, etc.

O que se deve ter claro é que qualquer que seja a voltagem, em hipótese nenhuma se pode descuidar da segurança das instalações elétricas porque mesmo o choque provocado por voltagem baixa pode matar uma pessoa. Explica-se.

No coração humano existem dois mini geradores de energia elétrica. Um deles está permanentemente enviando pulsos elétricos para as fibras musculares do coração que, uma vez atingidas, contraem-se provocando os movimentos de bombeamento do sangue. Ocorre que quando uma corrente elétrica de determinada intensidade, originada pelo choque elétrico percorre o coração, os pulsos produzidos pelo nosso gerador entra em colapso, passando a enviar pulsos de forma caótica, sem nenhuma utilidade em relação a sua finalidade de produzir os movimentos de sístoles e diástoles, isto é, de bombeamento do sangue. Assim, o coração passa a se contrair e expandir de forma muito leve e aleatoriamente, em típico movimento vibratório, que se conhece tecnicamente como fibrilação ventricular.

Sem receber oxigênio que o sangue carrega, o cérebro da pessoa que está sofrendo fibrilação ventricular sofre efeitos danosos e irreversíveis em espaço de poucos minutos.

De forma igual, as fibras do coração, sem receber nutrientes, dado que o sangue parou de circular, perdem suas funções e o coração sofre parada final, também em poucos minutos, causando a morte da pessoa.

Já nos choques produzidos por voltagens altas, como por exemplo com os cabos de alta tensão que existem em todas as nossas vias públicas, voltagem da ordem de 13800 Volts, os efeitos deletérios são sempre mais graves, provocando vários tipos de sequelas, quando não, levando a óbitos aqueles que os sofreram.

As altas tensões produzem circulação de altas correntes elétricas através do corpo, produzindo queimaduras de alto grau. Daí advém toda sorte de consequências, tais como tetanização dos músculos, deslocamentos dos órgãos internos (prolapsos), eletrólise do sangue, o que muda sua composição química, enfim, são efeitos que, não raro, determinam a morte imediatamente, ou deixam a vítima com sequelas para o resto da vida.

A conclusão é bastante evidente: sejam os choques produzidos por tensões baixas, sejam pelas altas tensões, o fato é que o choque elétrico é sempre perigoso e deve ser evitado ao máximo.    

 São muitas as orientações que se podem dar no sentido de, tanto quanto possível, evitar a ocorrência do choque elétrico. Abaixo elencam-se algumas delas:

– dentro da residência observe se há algum condutor sem o isolamento. Nunca permita que condutores, sem suas capas protetoras, existam em locais que pessoas circulem, ou possam tocar;

– não toque a chave de mudança de temperatura do chuveiro quando você estiver molhado e com ele em funcionamento;

– tape as tomadas de energia com protetores de plástico sempre que houver crianças em casa;

– mande instalar fios terra em chuveiros e carcaças de equipamentos que utilizem eletricidade;

– nunca substitua fusíveis por arames ou moedas;

– não toque, jamais, em cabos de eletricidade caídos nas ruas;

– se alguém estiver sendo submetido a choque elétrico, não tente tocar em seu corpo para salvá-lo porque o choque elétrico passará para o socorrista, ocasionando duas vítimas;

– se você não tem conhecimentos técnicos de eletricidade, não tente consertar tomadas e instalações elétricas internas, procure um eletricista para tanto;

– impeça crianças de soltar pipa próximo a rede de distribuição de energia;

– jamais suba em postes de energia elétrica para recuperar pipas, ou o que quer que seja.

Medidas simples como essas podem evitar significativos desastres.

No entanto, ainda que cuidados sejam adotados, os acidentes continuarão a ocorrer. Tomem-se, como exemplos, o fato corriqueiro do cidadão que, caminhando pela rua, é atingido por um cabo de alta tensão que cai sobre ele; ou, aquele outro que, numa calçada, toca em um poste que se encontra eletrificado.

Em caso que tais essas pessoas são vítimas de acidentes a que não deram causa, e os danos sofridos são indenizáveis.

Já se encontram bastante sedimentados os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que dão conta que as empresas distribuidoras de energia elétrica são responsáveis por indenizar os danos morais e materiais que derivam de acidentes como os exemplificados acima.

Diz-se, inclusive, que trata-se do que nós, advogados, denominamos responsabilidade objetiva, que é responsabilidade de indenizar sem que seja necessário a prova de culpa da concessionária distribuidora da energia na área em que se deu o acidente.

Dessa forma, por exemplo, se um caminhão bateu em um poste e, como consequência um cabo condutor se rompeu, caiu no solo, e causou choque elétrico em alguém, a denominada responsabilidade objetiva obriga a que a concessionária distribuidora indenize a vítima, mesmo se sabendo que o causador do acidente foi o motorista do caminhão.

Em um país de dimensões geográficas como o Brasil, onde há pouca divulgação e compreensão dos direitos dos cidadãos, a maioria de casos como o dessa ilustração (que causam, muitas vezes, a destruição de famílias) acaba por não trazer à vítima, ou a sua família, nenhuma compensação financeira pelos danos decorridos.

Ou porque o cabo se rompeu por culpa alheia, ou porque o rompimento se deu por força de ventania, ou porque foi uma árvore que caiu sobre a rede, o fato é que a vítima é, quase sempre, desestimulada de procurar orientação técnico-jurídica para fazer valer seu direito à indenização; e dito desestímulo vem dos familiares, ou de conhecidos, quando não da própria distribuidora de energia.

Esse estado de coisas, a bem do interesse e direitos do cidadão, não pode continuar ocorrendo, sob pena de desprestígio das atuais normas legais sobre o tema, conquistadas a duras penas pela sociedade brasileira.