OSCILAÇÃO DE ENERGIA. DANO ELÉTRICO. INDENIZAÇÕES

(Por ODILIO LOBO, ADVOGADO OAB/PR 28746, ENEGNHEIRO ELETRICISTA, ENGENHEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES, CREA/PR 8177/D, odilio@odilioloboadvocacia.com.br)

Os fóruns cíveis brasileiros, em todos os cantos do país, estão abarrotados de processos judiciais utilizados por consumidores de energia elétrica, ou por seguradoras que se sub-rogam nos direitos deles, para requerer indenizações pelo que se convencionou denominar danos elétricos.

Na maioria dos casos o que se pede em tais demandas é o ressarcimento de prejuízos experimentados ou porque se alega que o fornecimento de energia elétrica foi prestado com defeito, ou porque dito fornecimento foi interrompido.

As petições são, regra geral, bastante lacônicas, limitando-se a afirmar que na rede de distribuição de energia da concessionária local teria ocorrido ‘oscilação de tensão’, ou ‘oscilação na energia’, ou ‘queda na tensão’, ou ‘queda na voltagem’, ou ainda, ‘pico de tensão’.

Utilizando-se de uma dessas expressões as petições informam que ela teria provocado a ‘queima’ de tais e quais aparelhos, máquinas ou equipamentos que utilizavam energia elétrica para funcionamento, orçam o prejuízo do consumidor, e requerem o ressarcimento.

Neste artigo serão examinadas algumas questões que devem ser conhecidas por todos os operadores do direito que se envolvem no âmbito de ações judiciais dessa natureza.

A questão técnica principal que essas ações indenizatórias trazem é a de se saber se os danos observados nos aparelhos que utilizam energia elétrica decorreram i) do fornecimento de energia defeituoso; ou ii) do fim da vida útil deles; ou iii) de defeito na instalação elétrica interna do consumidor.

De início é necessário que se tenha claro: é dificílima, em grande parte dos casos, se saber a verdadeira causa dos danos alegados.

Para que o leitor possa ter compreensão perfeita do que se abordará neste arrazoado é necessário que se lhe esclareçam, primeiramente, alguns conceitos próprios do setor elétrico no que se refere aos serviços de distribuição de energia elétrica. Nesse sentido, pede-se, então, alguma dose de sua paciência.

O primeiro esclarecimento que deve ser feito é sobre o que configura um sistema elétrico de distribuição de energia elétrica que é operado pela concessionária.

Ainda que leigo, o leitor certamente já viu uma subestação de distribuição de energia elétrica. Abaixo, para ilustrar, veja uma foto de uma subestação de distribuição de energia elétrica da concessionária Copel-Dis, concessionária de distribuição no estado do Paraná.

Pois bem, essas subestações fazem o rebaixamento das altíssimas tensões, ou voltagem, das linhas de transmissão (que trazem energia desde as usinas geradoras) para as chamadas médias tensões, ou tensões de distribuição.

Explicite-se com números. Uma determinada subestação de distribuição recebe energia elétrica de 230.000 Volts. Seus transformadores rebaixam essa tensão para 13800 volts. Dessa subestação saem várias linhas de distribuição de energia de 13800 Volts, uma para cada bairro de uma cidade, por exemplo. À medida que essa linha de distribuição vai percorrendo as ruas de um desses bairros outros transformadores, instalados em postes de distribuição, rebaixam novamente essa alta tensão para as tensões de utilização pelos consumidores. Assim, continuando o exemplo, os 13800 Volts são rebaixados para as tensões de utilização de 220 Volts, ou 127 Volts, que são as tensões que chegam nas residências, comércios, etc.

A pergunta que importa saber responder é: qual a obrigação legal da distribuidora de energia com relação ao fornecimento de energia aos consumidores finais quanto aos níveis dessas tensões.

Conforme as linhas de distribuição de 13800 Volts vão se distanciando da subestação é normal que essa voltagem vá caindo, por exemplo para 13200 Volts em um bairro, ou para 12700 Volts em um outro mais distante. Desse modo, a concessionária distribuidora obriga-se a investir em reforços de cabos condutores e equipamentos elétricos de forma a, tanto quanto possível, manter a tensão igual ou próxima da tensão nominal da rede. Isso tudo para que ao consumidor final a tensão possa chegar dentro de níveis de tolerância para mais ou para menos, de acordo com regras fixadas pela Agência nacional de Energia Elétrica- Aneel.

Para a tensão nominal de 220 Volts, por exemplo, a faixa de tolerância admitida por essas normas legais variam de uma tensão mínima de 201 Volts, e uma máxima de 231 Volts. Para a tensão nominal de 127 Volts esses limites são de 116 e 133 Volts, respectivamente.

Fora dessas faixas de tolerâncias diz-se, então, que o fornecimento de energia elétrica é defeituoso, ou, que é o que importa saber, a concessionária que entregar energia elétrica ao consumidor final foram dessa faixa terá obrigação legal de indenizá-lo caso o fornecimento defeituoso lhe cause danos materiais.

Mas é necessário que se saiba que a obrigação da concessionária é fazer o fornecimento de energia com a tensão elétrica dentro daquela faixa de tolerância no que se denomina ‘ponto de entrega’ da energia que, normalmente, localiza-se no chamado ‘padrão’, que é o postinho na frente das residências (no limite da propriedade privada com a via pública), onde se instala o medidor de energia, no caso do consumidor residencial. Ou seja, para cada caso de fornecimento as normas legais determinam com precisão qual é o ‘ponto de entrega’, que é definido nas normas como o ponto onde termina a obrigação da concessionária e se inicia a obrigação do consumidor de manter a tensão elétrica dentro dos padrões técnicos adequados.

Ocorre que, assim como a tensão elétrica vai caindo ao longo da rede de distribuição da concessionária, assim também nas instalações elétricas internas do consumidor, a tensão cai na medida em que se afasta do ponto de entrega.

Sabe-se que todo equipamento, ou máquina, enfim, tudo o que utiliza energia elétrica para seu funcionamento é projetado para operar dentro da faixa de tensão permitida pela legislação, nos moldes acima delineados. Mas tais equipamentos não tem capacidade de detectar de onde advém eventual inconformidade nessas tensões. De fato, pouco se lhes dá: eles ‘queimam’, quer a inconformidade se origine na rede distribuição da concessionária, ou das instalações internas do consumidor.

Para se saber se o fornecimento de energia que a concessionária está fazendo em determinado local está dentro do padrão correto é muito fácil: basta que se meça a tensão com um voltímetro.

Mas o fato dessa medição indicar valor correto não necessariamente é condição necessária e suficiente para afastar eventual responsabilidade da concessionária em  ação de indenização, e isso porque a tensão pode sofrer variação, para mais ou para menos, de forma transitória, o que significa variação em tempo curtíssimo, da ordem de milésimo, ou mesmo milionésimo de segundo.

O que se quer dizer, e é isso que o leitor precisa ter claro, é que existe uma gama significativa de fenômenos elétricos que podem causar danos elétricos, ainda que a rede de distribuição esteja em funcionamento dentro das normas técnicas. E mais, deve ficar também bem compreendido que tais fenômenos podem ocorrer por ação ou omissão do consumidor.

Exemplos simples ajudarão nessa compreensão.

Figure-se o proprietário que compra longa extensão para ligar sua máquina de cortar grama para poder alcançar ponto distante do seu quintal. Costuma ocorrer que essa extensão fique quente quando o cortador estiver funcionando. A tradução para a temperatura alta é: esses condutores estavam sub dimensionados; e, por isso, a tensão que chegará ao motor pode estar abaixo da faixa de tolerância, podendo queimá-lo. Sim: sub tensão também queima máquinas elétricas. Equipamentos e aparelhos que tem bobinas em sua construção interna podem ficar danificados quando submetidos a sub tensões; e, lembre-se, nos seguintes aparelhos elas são encontradas: geladeira, freezers, liquidificadores, aspirador de pó, ar condicionado, batedeira, televisores, etc.

Já as sobre tensões também causam estragos e, como se disse acima, são as causas mais alegadas de danos elétricos. As sobre tensões de curta duração advém de várias fontes. A mais conhecida delas é o raio. Trata-se de descargas atmosféricas que podem atingir diretamente uma rede de distribuição da concessionária e, com isso, espraiar ondas de tensão elétrica de alta voltagem ao longo da rede. Observe-se que em cada transformador de distribuição da concessionária existe proteção elétrica contra essa sobre tensão: são os para-raios, responsáveis por escoar a onda de tensão para o solo, para longe das instalações internas dos consumidores. Os danos elétricos causados por sobre tensão dessa magnitude costuma deixar rastros: é comum se verificar, nas tomadas em que os aparelhos danificados estavam ligados, marcas de carbonização, ou nos próprios aparelhos que queimaram são visíveis os estragos causados.

Note-se que, principalmente na área rural, onde longas redes de baixa tensão são consideradas pertencentes às instalações internas, a chance de sobre tensão por raio é praticamente igual, isto é, é grande a probabilidade do raio ter-se originado nas instalações do próprio consumidor.

Uma outra sobre tensão bastante citada como fonte de danos é a que se denomina sobre tensão de manobra. Ela pode ocorrer quando uma linha de distribuição é desligada e ligada logo a seguir. Pode ocorrer que, quando da religação, desenvolver-se uma onda transitória de tensão de alta voltagem, mas por tempo suficiente para provocar danos, especialmente em equipamentos eletrônicos.

Ondas transitórias de tensão, que podem ocasionar problemas no funcionamento de equipamentos elétricos, também podem ter origem nas instalações internas dos consumidores. Há uma gama grande de ‘transientes de comutação’ que se observam cotidianamente em todas as instalações elétricas dos consumidores. Tais transientes nada mais são que ondas de tensão elétricas observadas quando se ligam e desligam certos equipamentos elétricos, ou algum de seus componentes. Ligar e desligar motores é um exemplo muito comum. Aparelhos de solda, até mesmo impressoras SCR, também são exemplos.

A finalidade deste artigo é mostrar que a tarefa de demonstrar a origem de um dano elétrico é complexa.

De modo que o poder judiciário fica, na maioria dos casos, literalmente, em dificuldade quase intransponível em sua tarefa de certificar o direito do consumidor reclamante, haja vista que os casos lhes são apresentados de forma sucinta, a partir de alegações genéricas.

Tem-se notado, todavia, que a jurisprudência está sendo encaminhada no sentido de não admitir que a parte interessada alegue tão somente a existência de ‘muitos raios no dia do sinistro’, ou ‘ocorreu uma oscilação na energia’, ou expressões que tais para determinar o direito de ressarcimento de prejuízos.

No campo probatório também são observados avanços. Ações judiciais intentadas quando decorrido muito tempo da data das ocorrências tidas como danosas, em que as provas já não são possíveis de serem produzidas (dá-se, por exemplo, conveniente sumiço no equipamento danificado) já não são vistas com bons olhos nas decisões mais recentes. A conclusão que se pode tirar de tudo o quanto acima foi exposto é que é necessário mais acurácia na análise das causas dos danos. Sem exame técnico profundo nesse campo corre-se o risco de transformar as ações de indenizações em exercícios de adivinhação, onde as conclusões quanto à responsabilidade e origem da causa danosa pode dar razão a um lado ou outro, mas sem que isso, não obstante defina o direito, possa ser levado à conta de decisão correta, muito menos justa.