PERSPECTIVAS PARA OS PREÇOS DA ENERGIA ELÉTRICA

Regina Pimentel, engenheira elétrica.

O setor elétrico brasileiro vive hoje um dos períodos mais turbulentos de sua história – pode-se fazer um paralelo com a época do racionamento de 2001, mas a comparação é pálida, já que a composição do parque é outra, a complexidade regulatória aumentou e, não menos importante, a diversidade atual de agentes no setor dificulta o consenso nas decisões, o que foi possível no passado.

Sob a ótica do consumidor de energia elétrica, principalmente se ele pertence aos setores de serviço ou de produção, um  nível de preços adequado no longo prazo é indispensável. Uma sequência de anos de hidrologia desfavorável reduziu muito o armazenamento médio nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. O desastre só não aconteceu porque hoje o Brasil dispõe de um parque térmico grande o suficiente para pelo menos manter um mínimo de energia armazenada nos reservatórios. O problema é que a geração térmica, ao contrário da hidrelétrica, custa caro, às vezes muito caro, e o custo tem que ser pago pelo elo final da cadeia, o consumidor.

Assim, as tarifas de fornecimento foram aumentando, a cada novo processo de reajuste ou revisão tarifária, para acomodar, sob diversos títulos, o desembolso com a geração térmica. Para se ter uma ideia, dados da Aneel mostram que a tarifa média residencial nas áreas de distribuição da Eletropaulo e Cemig está em torno de, respectivamente,  R$ 484/MWh e R$ 587/MWh, antes dos impostos estaduais e federai (dados da Aneel). Esses valores, se contrapostos aos estimados R$ 425/MWh da tarifa média residencial no Texas, segundo estado mais rico dos EUA (dados da US Energy Information Administration), são assustadores.

Para o longo prazo, há incógnitas importantes. O Preço de Liquidação de Diferenças (o PLD da CCEE, que é sinal para o preço de mercado de curto prazo) é o preço-sombra para a energia elétrica garantida, no atual modelo, e portanto patamares elevados de PLD, como é esperado pelos próximos meses, levam preços esperados de médio e longo prazo maiores.

Ademais, já desde o final de 2018, ainda no governo Temer, está em vigor decreto que elimina subsídios embutidos nas tarifas de energia, como os concedidos para a classe rural e para o serviço público de água, esgoto e saneamento, alheios à energia elétrica. Na mira, estão ainda os descontos tarifários na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e os aplicados para as fontes de geração incentivada, como PCHs, fontes solares e eólicas. Aliás, a CDE para 2019 foi fixada pela Aneel em pouco mais de R$ 20 bilhões, distribuídos entre mercado cativo e mercado regulado. O MME está revendo, e deverá reduzir gradualmente, os subsídios concedidos nas tarifas de energia elétrica de consumidores rurais, cooperativas, serviços públicos de água, esgoto, saneamento e serviços públicos de irrigação. Além disso, reportagem da Folha de São Paulo mostrou que a fiscalização de muitos subsídios à tarifa rural tem sido falha, e descontos têm sido dados a igrejas, postos de combustível, imobiliárias, comércios, instituições de ensino e até mesmo parques de diversão. Pelo contrato de concessão, a perda de arrecadação devido a subsídios legais é reposta com aumento generalizado nas tarifas, ou seja, é arcada pelos consumidores em geral.

Outro ponto a ser lembrado: a energia de Itaipu, que responde por cerca de 12% do consumo total de energia no Brasil,custa em 2019 cerca de R$ 200/MWh, contra menos de R$ 140/MWh da Usina de Belo Monte, por exemplo. A partir de 2023, encerra-se o Tratado Brasil-Paraguai que estabeleceu os termos de compartilhamento da geração de Itaipu entre os dois países, e ao mesmo tempo, em tese, a dívida relativa ao financiamento da obra estará quitada pela Eletrobrás. A partir daí, embora o empreendimento continue sendo binacional, tudo o mais poderá ser repactuado. Por exemplo, o Paraguai poderá não mais ceder sua potência e energia obrigatoriamente ao Brasil. E se o fizer, o preço não será o calculado contabilmente pelo Brasil, como hoje, mas o de mercado. Será maior ou menor? É energia hidrelétrica, de uma usina já amortizada. Resta saber o custo de oportunidade no Brasil. Ou na Argentina.

Além disso, voltou à baila a discussão sobre a formação de preços por oferta, numa metodologia que descarta, ou pelo menos torna menos significante, a formação técnica de preços hoje vigente, baseada em armazenamento atual de água, preços térmicos e previsões de afluência futura. Deve-se lembrar que não existe mercado concorrencial para a energia elétrica no Brasil: poucos grupos detêm a maioria das usinas geradoras, ou seja, os preços ofertados tendem a manter níveis de oligopólio, se deixados ao sabor do mercado.

O quadro geral que se apresenta hoje, assim, parece evidenciar a impossibilidade econômica de preços mais baixos: por um lado, a privatização de importante fatia de usinas hidrelétricas significa logicamente a imposição de preços de mercado à energia por elas produzida, e, por outro, os preços de mercado nesses próximos anos estão impactados fortemente pela crise energética. Embora os reservatórios tenham se recuperado parcialmente, ainda estão longe de apresentar uma situação confortável do ponto de vista dos preços de curto prazo.  E os preços de mercado estão sujeitos à dupla lógica do preço da energia no atacado (resultado de níveis de armazenamento e previsão de afluências), e do nível das tarifas reguladas, que ainda arrastarão por algum tempo o custo pesado da geração térmica adicional, aí incluído o risco hidrológico.

Mais um risco para o gerador, e consequentemente para os preços: nos últimos anos, afluências abaixo da média histórica em praticamente todas as bacias hidrográficas do país, e a crise financeira bilionária que o risco hidrológico causou aos agentes, mostraram que a garantia física das usinas hidrelétricas pode estar bastante sobre-estimada – o que é uma causa importante do déficit virtual de geração imputado aos geradores hidrelétricos. O MME promete que ainda em 2019 os valores de garantia física dos empreendimentos deverá ser corrigido – e com certeza, na média dos empreendimentos, para baixo.

Entretanto, há  sim no médio e longo prazos, indutores de baixa para o preço da energia elétrica. O primeiro deles é o avanço do uso das energias renováveis (que não as hidrelétricas de grande porte, essas atualmente inviabilizadas), e o segundo é a rediscussão das bases conceituais do modelo setorial, onde um dos tópicos mais relevantes será a separação da precificação entre lastro (ou disponibilização de potência) e energia gerada.

Do ponto de vista do mercado livre, onde já se encontra um terço do mercado consumidor de energia elétrica, a nova gestão do MME já selecionou como uma de suas prioridades resolver a pendência do GSF (Generation Factor Scale), que é a questão dos créditos milionários pendentes na liquidação da CCEE por conta do déficit dos geradores hidrelétricos,  com efeito cascata nos geradores termelétricos. O risco hidrológico, que vem se arrastando sem solução há anos, já aponta para  R$ 6,97 bilhões sob ação de liminares, em um total de R$ 8,63 bilhões  contabilizados na última liquidação da CCEE. A solução do impasse é muito bem-vinda pelo mercado.

Outra boa notícia é que a Aneel calcula em 4,9% a redução média da tarifa de energia elétrica nos processos de revisão e reajuste tarifário até 2020, por conta do alívio no pagamento da geração térmica e exposição ao risco hidrológico de anos passados que acabou gerando a necessidade de  financiamento bancário mediante acordo conduzido pela Aneel, e cujo pagamento estava embutido nas tarifas de consumo  desde 2015. 

Embora haja gente no governo entendendo que o preço da energia não é o que limita o crescimento econômico, mas sim o câmbio e a garantia de suprimento, do lado dos consumidores industriais a grita é de que com preços assim não há competitividade que resista, num quadro já de retração forte da produção industrial nacional. Enquanto houve atratividade, a migração para o Ambiente de Contratação Livre cresceu, até chegar ao patamar em que está agora, e não há dúvidas de que quem migrou o fez em busca de preços menores.

O consumidor industrial vê-se na contingência de analisar atentamente suas opções de suprimento de energia elétrica. Por um lado, a abertura ampla do mercado livre pode ampliar a concorrência entre os vendedores, e o país já evoluiu bastante na questão da geração distribuída ampliar a base de fontes alternativas de pequeno porte, o que é uma alternativa importante no portfolio do consumidor. Por outro lado, a oferta em mercados que não são de concorrência perfeita, e conjugando isso no Brasil com os patamares altos para o preço de curto prazo, apontam para a possibilidade de que os preços de energia não decresçam como o esperado em ambiente amplamente desregulado. A avaliação de risco de mercado, tanto para o comprador quanto para o vendedor de energia elétrica, é hoje mais importante do que nunca.