O que é choque elétrico e quais os direitos das vítimas

Sofreu um choque elétrico por conta de um cabo desprendido de um poste? Entenda como ocorrem esses acidentes e quais os direitos das vítimas.

É comum os meios de comunicação noticiarem que cabos condutores de energia elétrica se desprenderam dos postes e atingiram pessoas.

Diz-se que é comum porque as redes de distribuição de energia no Brasil são aéreas e, portanto, ficam facilmente sujeitas a serem abalroadas por veículos, suportar ventanias, árvores que lhes caem em cima, etc, que são causas de esforços mecânicos que ultrapassam a capacidade dos cabos de os suportarem e, por isso,  acabam rompendo-se e caindo.

No campo da engenharia elétrica os cabos condutores ao tocarem o solo provocam o que se denomina um curto circuito fase-terra.

Mas, o que também ocorre muitas vezes, é que o cabo atinge também transeuntes, causando, então, o tão conhecido choque elétrico, que é causa de severas consequências para os vitimados, danos que podem variar de dores significativas, queimaduras e  até mesmo mortes.

As vítimas desses lamentáveis acidentes são detentoras de direitos indenizatórios no campo jurídico, sejam os danos morais, sejam os materiais, pelos quais as concessionárias distribuidoras de energia respondem objetivamente, isto é, independentemente delas serem, ou não, culpadas pelos rompimentos dos cabos.

Este artigo se propõe a elucidar algumas questões técnicas envolvidas no choque elétrico que interessam à população em geral conhecer no contexto dos direitos indenizatórios a que fazem jus as pessoas vitimadas.

COMO OCORRE O CHOQUE ELÉTRICO: GRANDEZAS ELÉTRICAS.

Quando um objeto qualquer é submetido a uma diferença de potencial elétrico (conhecida como tensão e medida em Volts) por ele circula uma corrente elétrica (medida em Ampéres).

É essa corrente elétrica que provoca no corpo humano a desagradável sensação do choque elétrico.

Mesmo correntes elétricas muito diminutas, da ordem de mili Ampéres, ao circularem em partes do corpo humano já provocam a sensação de choques.

O leitor sabe, por exemplo, que choques elétricos com correntes pequenas são muito utilizados em fisioterapias, na busca por alívio de dores, em especial em partes do corpo que sofrem com problemas ortopédicos e ou musculares.

Uma corrente de apenas 1 mili Ampére já dá início a sensação de formigamento; 60 mili Ampéres já causam a sensação de forte formigamento, acompanhada de dor; e, acima de 300 mili Ampéres o choque já é destrutivo, podendo causar queimaduras, fibrilação ventricular, alterações químicas no sangue, e até a morte.

Correntes da ordem de alguns poucos Ampéres (3, ou 4, ou 5 Ampéres) são grandes o suficiente para provocar efeitos térmicos absolutamente incompatíveis com a capacidade dos tecidos do corpo humano de suportá-los.

Isso é o que ocorre quando um cabo da rede de distribuição, energizado em alta tensão cai e atinge uma pessoa.

Vamos demonstrar um exemplo numérico para elucidar este ponto.

Testes feitos em cadáveres humanos demonstram que a resistência do corpo humano à passagem da corrente elétrica varia em função de vários fatores que não podem ser aqui tratados, mas que se tenha claro que é aceitável se admitir como sendo resistência da ordem de 1000 a 1500 Ohms.

Então, quando um cabo energizado com 8000 Volts (comum em todas as partes do Brasil em suas redes de distribuição de energia dentro das cidades) toca uma parte do corpo humano e a outra parte está em contato com a terra, a corrente que circula por ele varia entre 8 Ampéres e 5,3 Ampéres, isto é, trata-se de corrente mais que suficiente para causar o evento morte.  

POR QUE ESSES ACIDENTES NÃO SÃO EVITADOS?

Neste ponto surge uma primeira grande questão, que é muito discutida nos tribunais: porque que os equipamentos de proteções elétricas (fusíveis, disjuntores e religadores de tensão) instalados pela concessionária nas redes, não atuam no sentido de desligar a rede quando do rompimento do cabo e, assim, proteger as pessoas transeuntes?

A resposta é bastante simples.

Ocorre que o cabo de alta tensão está levando energia a vários bairros da cidade, significando que por ele está circulando corrente elétrica de até centenas de Ampéres, que são necessários para atender as residências, comércios e indústrias.

Ao tocar o solo a corrente elétrica do curto circuito, na maioria das vezes, é pequena para fazer acionar os equipamentos de proteção e desenergizar a rede.

Dessa forma os cabos permanecem energizados e facilmente podem tocar em pessoas, ou atingir veículos, em qualquer caso provocando danos.

Então, uma corrente pequena, que pode causar a morte de uma pessoa é ‘enxergada’ pelos equipamentos de proteção como corrente normal demandada pelos consumidores, e, desse modo, tais equipamentos não são sensibilizados para desligarem a rede. 

A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE INDENIZAR

Então, não obstante as concessionárias de distribuição de energia elétrica nada possam fazer para impedir choques elétricos tais como ilustrados acima, e mesmo não tendo culpa alguma pelo rompimento dos cabos, a lei estabelece que elas devem indenizar as pessoas vitimadas.

Essa obrigação é tão importante para o mundo jurídico que foi estabelecida na Constituição da República em seu Artigo 37, § 6º, vide:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

É essa norma que estabelece o que acima se denominou responsabilidade objetiva de indenizar, que se trata de matéria bastante desconhecida do público leigo.

De fato, por desconhecer seus direitos, é muito grande o número de casos em que as vítimas de choque elétrico deixam de buscar reparação judicial, eis que desencorajadas a tanto, ao argumento de que a concessionária distribuidora de energia não teve culpa pelo acidente.

O que ocorre é que os próprios familiares das vítimas tomam a decisão de permanecerem inertes porque ‘o acidente ocorreu por causa do forte vento que fez romper o cabo’, e, desse modo, são induzidas a imaginar que o vitimado não é detentor de direitos no campo indenizatório.

Essa conclusão, obviamente, está equivocada. 

Seja a própria vítima, seja seus familiares, quem sofre esse tipo de acidente deve procurar se aconselhar com advogados de suas confiança para serem orientadas adequadamente sobre a correta providência a ser adotada para cada caso em concreto.

Odilio Lobo, Engenheiro Eletricista, CREA/PR 8177/D; Advogado, OAB/PR 28746.